segunda-feira, 6 de julho de 2009

Entrevista com aluno negro

Atividade publicada no Rooda em 02/06/09 para a interdisciplina QERESH.

A) Considerando sua prática docente, a leitura do texto sugerido, faça entrevistas com, no máximo, 04 alunos(as) negros(as), onde a pergunta desencadeadora seja “Como você se sente como aluno(a) negro(a) nesta escola?” Cuidados: a) a entrevista deverá ser em lugar tranqüilo, onde estejam apenas entrevistador(a) e entrevistado(a); b) tenha paciência em ouvir, estabelecendo um clima empático; c) cuide para não falar pelo(a) aluno(a) e nem com ele(a).
Registre as colocações e depois elabore o relato caracterizando quanto à auto imagem, auto-estima, identidade étnica e desempenho em seu webfólio.

B) A partir do texto Auto Imagem e Auto-Estima na Criança Negra: um Olhar sobre o seu Desempenho Escolar de Marilene Leal Paré, identificar as dimensões da expressão afro-cultural observadas em seus alunos afro-descendentes. Elaborar um pequeno texto, em torno de 03 páginas, destacando as relações dessas dimensões com o cotidiano da sala de aula e publique no Webfólio.

Realizei as entrevistas com dois meninos de sete anos de idade. Ambos são meus alunos em uma turma de segundo ano do Ensino Fundamental, na escola estadual Mário Quintana, em Alvorada.
A preparação para a aplicação da entrevista:
Ao dar o sinal para o recreio, solicitei que Nícolas e Manoel permanecessem na sala comigo, pois eu precisaria da ajuda deles. Então eu expliquei a eles que eu precisaria fazer um trabalho para a faculdade e que este trabalho consistiria em entrevistar algumas crianças negras para saber “como elas pensavam sobre determinadas coisas”. Convidei-os a participar. Eles toparam.
A entrevista propriamente dita:
Eu – Muito bem, vamos às perguntas então, rapazes... Quais as idades de vocês?
Nícolas (N) – sete anos.
Manoel (M) – sete também.
Eu – Qual a brincadeira predileta de cada um de vocês?
N – Pega-pega.
M – Futebol.
Eu – Quem é o seu melhor amigo e qual a cor da pele do amigo?
N – Eliton, branco
M – Milena, branca.
Eu – Na hora da brincadeira, a cor da pele faz alguma diferença?
N – Nenhuma!
M – Pensa um pouco e responde: não, só quando tem líder; daí a gente nunca é!
Quem manda é sempre branquinho!
Eu – Você concorda com ele, Nícolas?
N – Não acho não. Porque quando tem brincadeira de mandar, quem manda sempre é a Lindisen e ela é da nossa cor. Acho que o Manoel se enganou!
M – Nada a ver. É sempre a Lindisen que manda porque ela já sabe ler.
N – Mas tu também já sabe...
M – Mas ela lê mais rápido que eu!
Eu – Se vocês pudessem escolher a cor de suas peles, como prefeririam?
N – Melhor ser negro, porque negro é famoso. Tu viu o Obama profe? Meu pai disse que ele manda no mundo e o mundo todo respeita ele. Ele é da minha cor...
M – Eu gostaria de ser branco porque já tenho parentes brancos e eu acho a cor branca mais bonita. Meu pai deixou minha mãe pra ir morar com uma branca, já até tem um filho com ela...
Eu – Ok meninos, pra gente fechar nossa entrevista: como vocês se sentem enquanto alunos negros aqui na escola? E por quê?
N – Ué, normal profe! Eu sou igual a todo mundo, só a minha cor que é diferente.
M – Bem, eu gosto da escola e de ti. Todo mundo brinca comigo. Só que se eu fosse branco eu ia mandar mais nas brincadeiras... mas eu tô bem assim.

Apreciação da entrevista:
Antes de termos nossa última aula presencial eu não tinha idéia de como abordar alguns alunos para a aplicação dessa entrevista. A partir do diálogo travado na presencial pude perceber que tratava-se de algo bastante simples, penso que me assustei demasiadamente em função das discussões ocorridas por meio da lista de e-mails.
Outro indicador de extrema relevância proveniente da aula presencial foi o ponto de partida da entrevista. Observei que a maioria dos colegas que relatou ter iniciado pela pergunta “como você se sente como aluno negro nessa escola?” acabou ficando sem material, uma vez que os alunos respondiam que não existia qualquer tipo de problema. Assim, decidi deixar esta questão por último.
Sobre as dimensões das expressões afro-culturais:
Observando as respostas dadas pelos alunos Nícolas e Manoel pude constatar alguns pontos-chave: discriminação, alta auto-estima, desvalia pessoal, família, amor pela escola, as amizades com os colegas, auto imagem positiva e a normalidade em ser negro.
Penso que Nícolas é uma criança feliz em ser como é. Ele é firme em suas respostas, demonstrando a postura de uma criança com personalidade moldada em princípios e crenças bem alicerçados. Já Manoel, apesar de tentar demonstrar alegria em ser como é, deixa transparecer que existe ai uma certa infelicidade ou inconformidade; talvez até por um possível trauma causado pelo fato do pai ter abandonado a mãe em função de uma outra mulher, branca.
São duas crianças com pensamentos distintos mas que preocupam-se em se perceberem como indivíduos “normais” (como se não fossem!). Percebe-se ai a sombra da discriminação e seus fantasmas.

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